Por Francisco Carlos Castro Lahóz*
A Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), reúne países anualmente para negociar e definir ações para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Em 2025, o Brasil terá a responsabilidade de receber a 30ª edição do evento, que acontecerá de 10 a 21 de novembro, em Belém, capital do Pará. Esta será uma grande oportunidade para o país alçar destaque internacional em acordos sobre a sustentabilidade global em áreas como energias renováveis, biocombustíveis e agricultura de baixo carbono e, claro, na gestão da água e saneamento.
Há vários esforços de diversas instituições para promover a importância da COP30 não somente para acordos internacionais, mas também para impulsionar o debate e desenvolvimento de políticas públicas para conter o aquecimento global e o avanço das mudanças climáticas, com a ampliação da ocorrência de eventos extremos, que tanto causam danos ambientais, sociais e econômicos à sociedade.
Exemplo disso, foi a realização do Evento “Pré-COP30: O que estamos fazendo?”, promovido pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba (AEAP), entre os dias 17 e 19 de setembro, que buscou ouvir os profissionais da região sobre o tema e formas de atuação local. A iniciativa foi uma boa oportunidade para a troca de experiências e demonstrou que a complexidade do assunto das mudanças climáticas exige a necessidade de buscarmos soluções conjuntas.
Mas, antes de avançarmos sobre os resultados alcançados pelo evento, é necessário fazermos um resgate histórico sobre a AEAP e seu envolvimento com o debate ambiental da região para entendermos o quão central tem sido o papel das associações, organismo gestores e entidades afins para a sustentabilidade ambiental e hídrica da nossa Bacia Hidrográfica com reflexos para o Estado e todo o território nacional.
Estruturação da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba (AEAP) em 1983
A Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba (AEAP), em 1983, criou o que foi chamado de divisões técnicas, dividia por áreas de atuação da engenharia. Existiam divisões técnicas voltadas à Construção Civil, Hidráulica e Saneamento, Meio ambiente, Agronomia, entre outras.
Os profissionais que tinham afinidade com uma ou mais áreas, se inscreviam e participavam das reuniões técnicas que eram compostas por metodologia, pauta, memória técnica, deliberações e definição de cronograma, pautas e para as próximas reuniões, sempre com distribuição de tarefas e prazos entre os membros.
O engajamento dos profissionais membros da AEAP acabou reverberando num importante momento histórico de Piracicaba e para as Bacias PCJ, que foi durante a realização da “Campanha Ano 2000 – Redenção Ecológica da Bacia do Rio Piracicaba”, importante movimento das entidades civis piracicabanas, lançado em 1984, pelo Conselho Coordenador das Entidades Civis de Piracicaba, com a adesão de associações, universidades, centros de pesquisa, prefeituras, empresas e comunidade em geral, a partir de Piracicaba e envolvendo a posteriori toda a Bacia Hidrográfica do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), englobando 76 municípios. A AEAP, através da sua Divisão do Meio Ambiente, foi convidada para exercer a Coordenação Técnica da “Campanha Ano 2000”, em apoio ao Conselho Coordenador e de todos os envolvidos.
A Campanha “Ano 2000” antecipou medidas que posteriormente foram ressaltadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), como também nas “COPs”.
Em 1987, houve a publicação do documento “Campanha Ano 2000 – Redenção Ecológica da Bacia do Rio Piracicaba – Carta de Reivindicações ao Governador de Estado”, contendo 32 problemas e 32 propostas de soluções para a gestão da água e meio ambiente. Até então, o que tínhamos de legislação do setor na época, era apenas o “Código das Águas”, de 1934. Mais informações também são encontradas no Livro “Malucos pela Água – Volume I”, disponível no site da AEAP https://aeap.org.br/.
A reivindicação nº 19 da “Campanha Ano 2000” conclamava por uma entidade para agilizar novas legislações, organizar a sociedade, unir os municípios e comunidade e todos os setores produtivos em ações comuns, realizar experiências piloto e difundir as boas práticas dos recursos hídricos, saneamento e meio ambiente, além de ser uma incubadora de novidades e de outras entidades, com a capacidade de dialogar com governos, difundir parcerias e abrir o diálogo nacional e internacional em prol da água, saneamento e meio ambiente.
Esse movimento levou à criação do Consórcio PCJ, em 1989. Dois anos depois, por uma articulação, em parceria Estadual, com participação marcante do próprio Consórcio PCJ, veio a Política Estadual dos Recursos Hídricos (Lei 7.663/91), que permitiu, em 1993, a criação do Comitê PCJ São Paulo, que depois se tornaria três em um só, denominados Comitês PCJ (paulista, mineiro e federal), já que a nossa bacia hidrográfica possui rios de domínios da união, dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Em seguida, numa crescente de ações de instituição do sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, vieram as Políticas Nacionais: de Recursos Hídricos, Saneamento e de Resíduos Sólidos; a criação, na época, da Agência Nacional de Águas (ANA), hoje denominada Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA); as legislações ambientais; as Redes Nacionais e Internacionais de Organismos de Bacias, entre outras.
Como resultado nas Bacias PCJ, essa iniciativa elevou o tratamento de esgotos de 3% na época para mais de 85% na atualidade. Vieram projetos como o “Pagamento por Serviços Ambientais”, que permitiu recompensar os produtores rurais que possuem um manejo que leva em conta a preservação ambiental; milhares de nascentes na região foram protegidas; a sociedade foi sensibilizada pelo fato de viver em uma bacia hidrográfica de “estresse hídrico crônico”, na qual o clima já apresentava alterações no comportamento da disponibilidade hídrica, agravando e muito a sustentabilidade hídrica local, o que necessitou como resposta a redução dos volumes outorgados e estimulou o uso inteligente da água.
Alguns destaques sobre as iniciativas globais
A realização da primeira COP ocorreu em Berlim, capital da Alemanha, em 1995, tendo como objetivo iniciar negociações sobre metas e prazos para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Este evento marcou o primeiro passo para o processo de conscientização e ações globais contra as mudanças climáticas, sendo importante para a futura criação do Protocolo de Kyoto, ou seja, as COPs seguiram uma construção, lógica e assertiva, no seu tratamento com as mudanças climáticas.
O Protocolo de Kyoto foi proposto e adotado em 1997, na terceira conferência das partes, realizada na cidade de Kyoto, no Japão. O acordo estabeleceu metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, entrando em vigor formalmente apenas em 2005.
A COP21, em 2015, teve como objetivo limitar o aquecimento global em pelo menos 2°C, preferencialmente 1,5°C, em comparação aos níveis pré-industriais, através da redução das emissões dos gases de efeito estufa e do esforço conjunto global para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas.
Enfim, chegamos à atualidade, com a realização no Brasil da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30, que se dará entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, na cidade de Belém, capital do Pará. As articulações para a cidade paraense sediar o mais importante evento mundial sobre mudanças climáticas começaram durante a COP27, no Egito, em 2022, e foi formalizada no ano seguinte, em 18 de maio de 2023, pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Belém, cidade com mais de 400 anos, vai entrar para a história como a primeira cidade na Amazônia a sediar a Conferência do Clima da ONU, na maior floresta tropical do mundo.
Os debates já se iniciam uma semana antes, no dia seis de novembro, quando os líderes internacionais estarão reunidos em Belém para a produção do documento final do evento. Excelente, mas a própria sociedade brasileira, através das suas iniciativas “Pré-COP30”, estão questionando com criatividade e entusiasmo questões que ainda estão longe da compreensão da comunidade brasileira.
As dúvidas recaem sobre temas: ventos alísios; rios voadores; fenômenos climáticos; a importância das árvores para o meio ambiente e sua interferência no clima; os impactos do efeito estufa; a construção de barragens de regularização de água; os reflexos do aumento da temperatura no comportamento das precipitações de chuva, e como o aquecimento global impacta o saneamento. As respostas a essas perguntas já estão sendo perseguidas nos eventos preparatórios e tendem a influenciar os debates dentro da COP30.
Pré-COP30 AEAP: O que estamos fazendo?
Como já mencionado no início deste artigo, a diretoria da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba (AEAP), com apoio voluntário de muitos associados e parceiros, organizou o evento “Pré-COP30, o que estamos fazendo?”. Essa organização foi muito abrangente, composto por três dias de evento, de 17 a 19 de setembro. No primeiro dia, houve a apresentação sobre a compensação de carbono, feita pelos conselheiros do CREA-SP e o plantio de mudas no campus da Fundação Municipal de Ensino, que é a mantenedora da Escola de Engenharia de Piracicaba (EEP/FUMEP).
No dia 18 de setembro, na sede da AEAP, ocorreu a exposição do projeto de gestão de resíduos implantados no Hospital Unimed e, posteriormente, painel sobre sustentabilidade hídrica, envolvendo várias lideranças das Bacias PCJ. Eu fui gentilmente convidado para participar neste painel e farei uma reflexão mais ampla a seguir.
Painel sobre Sustentabilidade Hídrica
O painel foi coordenado pelo professor e pesquisador Rinaldo Calheiros, com as participações dos palestrantes: professora Denise Dedini; Francisco Lahóz, representando o Consórcio do PCJ e a Escola de Engenharia de Piracicaba; o engenheiro Ronald Pereira da Silva, presidente do Serviço Municipal de Água e Esgoto (SEMAE) de Piracicaba; José Valdir Lopes Jr. e Alexandre Resende, representantes da Associação Remo Piracicaba.
O professor Rinaldo, como coordenador da mesa, fez uma introdução contextualizando, justamente, sobre a sustentabilidade hídrica nas bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Ele foi extremamente feliz ao abordar sobre todas as disponibilidades hídricas regionais e alertando para o impacto do crescimento demográfico nas Bacias PCJ, que se aproxima de 7 milhões de pessoas. Esse crescimento populacional se verifica em todas as frentes, seja no âmbito industrial, na área urbana, na área rural. Rinaldo pontuou sobre o que temos de disponibilidade hídrica, como também sobre as ações visando sua garantia e proferindo uma série de reflexões e sugestões, inclusive, sobre iniciativas que já vêm sendo desenvolvidas, algumas que deveriam ser intensificadas e outras que deveriam ser implementadas ou iniciadas.
A professora Denise, por sua vez, realizou uma reflexão sobre a realidade ambiental que vivemos na atualidade, as legislações existentes, bem como externou com clareza os caminhos para idealizarmos, planejarmos e executarmos ações, a fim de organizarmos gestores e fiscalizadores, poder público em geral e comunidade.
Denise fez toda uma contextualização sobre a situação ambiental regional, atentando para a necessidade de intervenções, de postura e comportamento de cada habitante, empresário, comerciante e agricultor da região para que num contexto geral, as legislações, em modo particular às ligadas às questões do meio ambiente, sejam cumpridas ou que se permita tentar cumpri-las com mais facilidade.
O presidente do SEMAE, Ronald Pereira da Silva, proferiu a apresentação do planejamento da atual administração em resgatar aquele SEMAE glorioso e grandioso de outras épocas, que já foi destaque na América Latina, trazendo-o novamente com força e pujança. Ronald comentou sobre as medidas que estão sendo promovidas para recuperar o atendimento do abastecimento de água de Piracicaba, bem como, o planejamento para reduzir o índice de perdas hídricas nos sistemas públicos de distribuição e o plano de sustentabilidade hídrica e econômica do SEMAE.
O saneamento também é um debate importante para as questões das mudanças climáticas, uma vez que é um setor diretamente impactado pelo aquecimento global. Debater esse tema é fundamental, não somente nas iniciativas de Pré-COP30 que estão sendo promovidas, como também dentro da COP30, pois o saneamento oferece saúde e qualidade de vida aos cidadãos. E verificar essa atenção num governo que está iniciando e terá ainda mais três anos e meio pela frente é muito bem-vinda. Principalmente quando essas iniciativas são otimistas com metas ousadas, como as apresentadas por Ronald.
Nesse mesmo painel, enfoquei o pioneirismo da região em vislumbrar a grave situação quanto à disponibilidade hídrica na década de 1970 e das providências acertadas em procurar, inicialmente, outras fontes de abastecimento junto ao Rio Corumbataí e, na sequência, organizar e implementar a “Campanha Ano 2000 – Redenção Ecológica da Bacia do rio Piracicaba”, que ocasionou a criação do Consórcio PCJ, em 1989, entidade que felizmente cumpriu e vem mantendo o foco e as premissas às quais foi criado. Entre elas, podemos citar: a instalação de um sistema de gerenciamento dos recursos hídricos nas Bacias PCJ, auxiliando também ao Sistema Nacional, uma vez que as Bacias PCJ, por ser uma região de estresse hídrico crônico, antecipou as recomendações da primeira COP e de todas as demais que se sucederam, permitindo dizer que as Bacias PCJ são um bom exemplo de “como enfrentar os eventos climáticos extremos” para a COP30.
Minha exposição focou nos temas que os demais palestrantes apresentaram, mas procurando uma sintonia direta com a COP30 e as demais COPs. Observei uma série de palavras-chave que são usualmente utilizadas, mas que a maioria da população desconhece, enfatizando que os eventos Pré-COP30 são uma grande oportunidade para se equacionar esses problemas, inclusive, os de comunicação e sensibilização.
Os últimos palestrantes do segundo dia do evento da AEAP, José Valdir Lopes Jr. e Alexandre Resende, representantes da Associação Remo Piracicaba, foram muito promissores em realizar um resgate sobre os principais destaques das apresentações que o antecederam, estabelecendo um paralelo e uma interação sobre a sua fala abordando o monitoramento de ações planejadas sob a ótica de uma auditoria de fiscalização sobre os resultados realmente obtidos e qual o atendimento efetivo das metas previstas. Também foi relatado sobre O projeto “Diagnóstico Ambiental da Bacia do Rio Piracicaba”, liderado pela própria Associação, com a participação de vários pesquisadores e cientistas que se uniram no final de 2024 para realizar a primeira expedição científica para monitorar a saúde do Rio Piracicaba e identificar os impactos dos afluentes no rio em mais de 30 pontos estratégicos, com análises e gerando dados científicos fundamentais que serão de grande importância para a proteção e recuperação do Rio Piracicaba.
No dia19, tivemos palestras com o título, “Como as COPs afetam as nossas vidas: Por que me importar com a COP30?”, realizada por Roberto Palmieri e, em seguida, tivemos enfoque sobre gerenciamento de resíduos dos municípios por Eduardo Camolese, Laís Lariva, Robson Williams, Wagner Perillo e Alex Salvaia. Essas apresentações encerraram o evento “Pré-COP30: o que estamos fazendo”, promovida pela AEAP, que motivou a, já engajada comunidade piracicabana com meio ambiente, a apontar seus olhos para os debates que serão promovidos na COP30, em Belém, demonstrando a importância da sociedade em estar atenta às discussões que serão realizadas.
Então, o que foi que ninguém viu no Evento Pré-COP30 da AEAP?
Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que as Bacias do PCJ, a exemplo do seu passado de envolvimento e engajamento popular com as questões ambientais e de sustentabilidade, estão fazendo a sua parte no combate e mitigação dos impactos das mudanças climáticas, não na velocidade que se gostaria, mas na que está sendo possível. Instituições da região participam de redes regionais, estaduais, internacionais de gerenciamento dos recursos hídricos, saneamento do meio ambiente, trocando experiências e acreditando que cada gota de água faz a diferença. Quando olhamos para todos os avanços já alcançados pela região, podemos sugerir olharmos ao espelho e, assim, descobrirmos que quem é o responsável por garantir cada gota de água somos “Todos Nós”.
Eventos, como essa iniciativa da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Piracicaba, têm uma riqueza incrível porque permitem às pessoas daquela região apresentarem a sua realidade, o seu diagnóstico e prognóstico, expor suas demandas e problemas numa linguagem local. Esses eventos podem ter convidados de outras localidades, com uma conotação regional, numa linguagem comum a todos. E a riqueza está justamente aí. O que foi que ninguém viu? Na minha opinião, é o pensar e agir localmente, abrindo subsídios para subsidiar globalmente propostas para as grandes metas e desafios mundiais.
É importante reforçar que todos esses eventos internacionais, como a COP30, são de uma amplitude mundial. Porém, para que possamos eleger uma prioridade, temos de partir da parte para o todo, ou seja, iniciar num bairro, num município, crescer para uma região, um Estado, para um país, para outros países, para um continente, para outros continentes, até chegar a uma prioridade global.
*Francisco Carlos Castro Lahóz é engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia de Piracicaba da Fundação Municipal de Ensino (EEP/FUMEP) e mestre em irrigação e drenagem pela Universidade de São Paulo (USP). No Consórcio PCJ, exerce as funções de coordenador de projetos, gerente técnico e secretário executivo.
