As Mudanças Climáticas e seus Impactos ao Saneamento Básico

Por Aguinaldo Brito Jr.*

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e do clima que podem ser de causas naturais, como as provocadas pelas variações do ciclo solar, ou geradas por ações humanas. Desde 1800, com o advento da Revolução Industrial, as atividades humanas têm sido o principal motivo das alterações climáticas, principalmente, devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que acarretam aumento dos gases de efeito estufa, funcionando como um enorme cobertor envolvendo o nosso planeta que eleva a temperatura global.

Secas intensas, tempestades, aumento da incidência de incêndios e fortes ondas de calor, antes jamais vistas nessa intensidade, têm sido cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas. Os eventos extremos acarretam impactos para o meio ambiente e à qualidade de vida das pessoas, da mesma forma que ocasionam novos desafios ao setor de saneamento no Brasil. Cada vez mais os sistemas de abastecimento são pressionados pela instabilidade climática e o aumento da população, o que demanda maior disponibilidade hídrica.

Dados do Censo 2022, o mais recente realizado, mostram que o interior do Estado de São Paulo tem apresentado crescimento populacional, atraindo cada vez mais moradores para a região. Nas Bacias PCJ, por exemplo, que conglomeram três regiões metropolitanas de grande importância econômica, ambiental e social, como é o caso de Campinas, Jundiaí e Piracicaba, ampliaram o número de habitantes e hoje somam 5,9 milhões de pessoas, segundo o Plano das Bacias PCJ 2020-2035.

Quanto maior o adensamento populacional de uma região, maior a sua demanda por água. Na nossa Bacia Hidrográfica, o consumo “per capita” diário de água está em 200 litros habitante/dia varia conforme o município, com exemplos próximos de 150 litros e alguns superando os 200 litros, quando enquanto a ONU recomenda o uso sustentável de até 110 litros. Some-se a isso, o fato das Bacias PCJ serem consideradas uma região de estresse hídrico crônico, já que sua disponibilidade hídrica está abaixo de 1500 m³/habitante/ano.

Além da pressão sobre a disponibilidade hídrica, as mudanças climáticas estão alterando o comportamento das chuvas e, consequentemente, impactando na recarga hídrica. A própria ONU tem apresentado estudos alertando para a redução das precipitações de chuvas e das vazões dos rios em várias bacias hidrográficas do mundo. A redução da oferta de água, inevitavelmente, acarreta impactos aos serviços de saneamento.

AFINAL, QUE MUDANÇAS CLIMÁTICAS SÃO ESSAS?

As mudanças climáticas não se trata apenas de um ano mais seco que o anterior, ou um calor fora de época. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mudanças climáticas referem-se a alterações de longo prazo nas temperaturas e padrões climáticos. Portanto, dizem respeito a todas as alterações que o clima sofreu em diferentes escalas de tempo. A ONU explica que estas alterações podem ser naturais, tais como as variações no ciclo solar, por exemplo, mas que desde o século 19, as atividades humanas têm sido o principal motor da mudança climática.

A principal mudança observada é o aquecimento global, aumento anormal das temperaturas do planeta Terra. Esse aumento é causado pela emissão de gases do efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono, proveniente, por exemplo, dos automóveis, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), passaram de 45 milhões, em 2006, para 115 milhões em 2022, um aumento de 155,6% em 16 anos.

Além disso, as mudanças climáticas podem ser percebidas em tempestades severas e pontuais, que ocorrem durante um tempo menor, mas de maior intensidade, ocasionando deslizamentos de terra e aumento das enchentes. Em Piracicaba, por exemplo, região das Bacias PCJ, chuvas registradas em março causaram alagamentos e deslizamentos na cidade, mas não foram suficientes para aumentar o nível e a vazão dos rios que abastecem o município. A chuva pontual e torrencial não permite que o lençol freático armazene toda a água à tempo.

As regiões secas sofrem ainda mais com a falta de água, aumentando a ocorrência de incêndios e, consequentemente, a perda de biodiversidade e ameaça à vida da população. O último Boletim Hidrológico divulgado pelo Consórcio PCJ, com dados de referência do mês de agosto, aponta que a média geral de precipitação nas Bacias PCJ foi 90,2% abaixo da média histórica para o mês. Ao longo de agosto, apenas um dia registrou chuvas significativas, de forma pontual.

Já as áreas costeiras sentem o impacto do aumento do nível do mar, graças ao degelo das geleiras ocasionado pelo aumento da temperatura média do planeta. As inundações costeiras tendem a ficar mais frequentes com esse aumento, além de que, a invasão da água salgada nas áreas pode comprometer as reservas de água doce do lençol freático e alterar as características do solo, de acordo com César Barbedo Rocha, professor do Departamento de Oceanografia Física do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

COMO UM CLIMA CADA VEZ MAIS INSTÁVEL AFETA O SANEAMENTO?

Segundo o estudo “As Mudanças Climáticas no Setor de Saneamento: como tempestades, secas e ondas de calor impactam o consumo de água?”, produzido pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a Way Carbon, as mudanças climáticas representam uma crescente ameaça para o setor de saneamento no Brasil. Fenômenos climáticos como ondas de calor, tempestades severas e períodos prolongados de estiagem têm impactos diretos nas empresas de saneamento quanto a sua capacidade de garantir o fornecimento adequado de água potável e a correta gestão de efluentes (resíduos de atividades humanas), e consequentemente, impactam na qualidade de vida da população e na segurança hídrica das comunidades.

Os efeitos podem ser observados nas ondas de calor que aumentam a demanda por água, pressionando sistemas que já operam no limite de sua capacidade. Em paralelo, secas severas afetam o abastecimento de mananciais, reduzindo a disponibilidade de água e levando à necessidade de racionamento (redução controlada do consumo), ou ao uso de fontes alternativas, muitas vezes de menor qualidade. A falta de água limita o acesso da população aos serviços de saneamento básico e aumenta o risco de transmissão de doenças.

As alterações climáticas também afetam a infraestrutura das companhias de abastecimento, e evidenciam a necessidade de estudos e planejamentos futuros para lidar com elas. O calor extremo acelera a deterioração de componentes da Estação de Tratamento de Água (ETA), como tubulações e bombas, e a utilização intensificada de equipamentos aumenta a sobrecarga, levando a falhas mecânicas e necessidade de substituição prematura.

Já as tempestades e chuvas intensas sobrecarregam os sistemas de drenagem e tratamento de esgoto, provocando alagamentos, rompimento de tubulações e contaminação de fontes de água potável. Estes eventos podem levar a inundações e contaminação de áreas residenciais, expondo certas áreas a efluentes não tratados e riscos sanitários.

Para a população, as mudanças aumentam a desigualdade no acesso a serviços de saneamento básico de qualidade, especialmente em áreas urbanas periféricas e rurais, consideradas mais vulneráveis. As enchentes históricas de 2024 no Rio Grande do Sul, por exemplo, afetaram cerca de 2,4 milhões de pessoas em 478 municípios, causando 183 mortes e prejuízos econômicos na casa dos bilhões de reais, sendo considerado o maior desastre natural da história do Estado e um dos maiores do Brasil, com chuvas de duração, intensidade e abrangência territorial jamais observadas no país, de acordo com o levantamento “As Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente”, produzido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

CONSÓRCIO PCJ NO ENFRENTAMENTO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Atualmente, com 10 programas de atuação, o Consórcio PCJ tem trabalhado para tornar a região mais bem preparada para enfrentar os desafios impostos à gestão de recursos hídricos e saneamento frente às mudanças climáticas. Ações como o plantio de 4,5 milhões de mudas de árvores, que permitiu o sequestro de 800 mil toneladas de carbono da atmosfera, gases que causam o efeito estufa e aumento da temperatura global, a capacitação de mais de 3 milhões de pessoas (público formal e não formal) pelo Programa de Sensibilização e Educação Ambiental, ampliação do tratamento de esgotos de 3% para 75%, combate às perdas hídricas que passavam de mais de 50% para 35%, em média, com municípios chegando a índices abaixo de 20%, conforme preconizado pela ONU, são resultados de 35 anos de história de muito trabalho em prol dos recursos hídricos das Bacias PCJ e do Brasil.

O Consórcio PCJ acompanha mensalmente o comportamento climático na região e seus impactos, por meio de seu Boletim Hidrológico. Esse acompanhamento tem verificado nos últimos anos instabilidades no padrão climático das Bacias PCJ, como a ocorrência de chuvas extremas em curtos períodos, com volumes acima das médias históricas e impactos prejudiciais às cidades, com relatos de enchentes causando estragos em casas, comércios e vias urbanas, e, na área rural, comprometem estradas vicinais, carreiam sedimentos para os rios, gerando assoreamentos. Além de causar esses prejuízos, a as chuvas intensas ainda não favorecem a recarga do lençol freático, devido ao forte volume de água, que acaba escoando para os leitos dos cursos d’água.

O Programa de Educação Ambiental da entidade, por meio do Projeto “Gota d’Água”, capacita cerca de 150 mil alunos por ano, com diversas temáticas ligadas à gestão dos recursos hídricos, entre elas questões sobre o clima e o impacto na disponibilidade de água. Mas, acima de tudo, procura mostrar às pessoas o papel de cada um na gestão do meio ambiente e da água, e seus reflexos para mitigar os impactos das mudanças climáticas.

O Consórcio PCJ também auxilia municípios e empresas com consultoria técnica nas áreas de água, saneamento e meio ambiente, que buscam ampliar a sustentabilidade hídrica das Bacias PCJ, com água de qualidade e em quantidade para o atendimento ao abastecimento público, industrial e rural. As mudanças climáticas intensificaram ações que já vinham sendo feitas pela entidade, uma vez que a região, por ser de estresse hídrico, já exigia uma gestão da água eficiente para a garantia da disponibilidade hídrica.

Além disso, o Consórcio PCJ atua pela sustentabilidade hídrica das Bacias PCJ, desde a sua fundação. Em 1992, ao lado do Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), atualmente SP Águas, o Consórcio PCJ realizou um estudo intitulado “Plano Diretor de Captação e Produção de Água para Abastecimento Público nas Bacias dos Rios Piracicaba e Capivari”, que já previa uma série de obras para a segurança hídrica, entre elas a construção das Barragens de Duas Pontes, em Amparo (SP), e Pedreira, em Pedreira (SP), que são estratégicas para garantir a ampliação da disponibilidade hídrica e desenvolvimento para a região. Com previsão de entrega para o final de 2026, as duas estruturas vão armazenar 85 bilhões de litros de água, o que equivale a mais de 32 mil piscinas olímpicas.

As iniciativas que o Consórcio PCJ vem desempenhando ao longo dos seus 35 anos de história, buscam dar maior segurança hídrica aos municípios, empresas, proprietários rurais nas Bacias PCJ, pois, a criação da entidade se deu motivada a perspectiva de aumento de eventos extremos numa região de estresse hídrico crônico.

As Bacias PCJ tiveram sucesso em atravessar as crises hídricas nessas mais de três décadas devido ao trabalho de preparação e resiliência iniciado pelo Consórcio PCJ. Mas, a intensificação do aquecimento global, gerando eventos extremos cada vez mais intensos e regulares, com impactos na gestão dos recursos hídricos, exige o planejamento de novas soluções para os desafios climáticos.

COMO SE ADAPTAR ÀS MUDANÇAS?

Os impactos climáticos já estão prejudicando a saúde humana, com poluição do ar, doenças, deslocamento forçado e aumento da fome e subnutrição em locais onde as pessoas não conseguem cultivar ou encontrar alimentos suficientes.

No saneamento não é diferente. O setor já sente o efeito das mudanças climáticas diariamente, com danos às infraestruturas das companhias de abastecimento após tempestades severas, sistemas operando no limite de sua capacidade devido ao calor extremo, e o aumento da ocorrência de desastres climáticos, provocando desigualdade no acesso ao saneamento básico pela população, especialmente aqueles mais vulneráveis.

O desenvolvimento de estratégias de adaptação climática, o fortalecimento das infraestruturas de captação e tratamento de água e esgoto, e a prática da educação ambiental, são atitudes necessárias para a futura segurança da água e da população. Dessa forma, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) possui papel fundamental no enfrentamento às variações do clima. O evento, que acontece na cidade de Belém (PA) em novembro, tem como objetivo redefinir os rumos da luta contra a crise climática global, fomentando discussões e debates sobre o desenvolvimento sustentável e a justiça climática.

A conferência contará também com a Casa do Saneamento, iniciativa da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), com o objetivo de propiciar espaço de acolhimento e de difusão de conhecimento, para pessoas e instituições ligadas ao tema do saneamento. O local será fundamental para a troca de experiências e a construção de soluções inovadoras para os desafios do saneamento no contexto das mudanças climáticas.

Durante o mês de julho, o Consórcio PCJ participou do webinar “Mudanças Climáticas e a Preparação para a COP 30”, na qual compartilhou a situação hídrica atual das Bacias PCJ e as ações da entidade para mitigar o impacto das mudanças climáticas, como o monitoramento das chuvas e vazões dos rios, e ações de reflorestamento e proteção dos mananciais de abastecimento.

O Consórcio PCJ vem se preparando para participar de debates relacionados à temática de água e saneamento e está articulando, junto a instituições nacionais e internacionais, contribuições sobre os temas água e saneamento na COP30. O objetivo é contribuir com o enfrentamento às mudanças climáticas e continuar desenvolvendo a gestão adequada e segura dos recursos hídricos.

*Aguinaldo Brito Júnior – Coordenador de projetos do Consórcio PCJ – Engenheiro civil, com pós-graduação em Infraestrutura do Saneamento Básico.

Foto: Adobe Stock

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