O Consórcio PCJ realizou na última quinta-feira, dia 31 de março, na sede da entidade no município de Americana (SP), mais um encontro do “Projeto Gota d’Água”, promovido pelo Programa de Educação e Sensibilização Ambiental, que neste ano está debatendo a renovação da outorga do Sistema Cantareira e os Planos Municipais de Recursos Hídricos. Durante o encontro, os educadores participantes aprovaram a redação do “Manifesto de Alerta sobre a Gestão da Água”, documento com diversas recomendações sobre como enfrentar os desafios da problemática da água e as ações necessárias para se precaver de futuras crises hídricas.
O manifesto contém 11 sugestões de ações necessárias para o fortalecimento do sistema de gestão de recursos hídricos das Bacias PCJ e três resoluções. Entre as propostas destacam-se os temas: a inclusão do item educação ambiental como prioritário nas ações de gestão de recursos hídricos, inclusive obras; universalização do saneamento básico, com o tratamento total de esgoto e redução das perdas hídricas para patamares recomendados pela ONU, ou seja, abaixo de 20%; o controle de uso e ocupação do solo, destacando a preocupação com a impermeabilização que compromete a recarga do lençol freático; a atualização dos planos de recursos hídricos levando-se em conta a ocorrência de eventos hidrológicos extremos; a discussão ampla e sincera com a comunidade sobre o valor real da água; a construção de reservatórios municipais e bacias de retenção; incentivo para a troca de equipamentos antigos por novos e mais modernos que consomem menos água; e por fim, o fortalecimento dos comitês de bacias e demais tipos de colegiados tipos, associações e serviços comunitários preservacionistas e conservacionistas, conclamando-os a estarem atentos às propostas de alteração das legislações locais, estaduais e nacional na área de recursos hídricos, evitando que retrocessos possam ser cometidos.
As três recomendações, constante no documento, atentam para a necessidade dos gestores públicos em alcançarem a sustentabilidade financeira nos serviços de abastecimento para que os investimentos na área de saneamento ambiental para o cumprimento de metas de universalização e de proteção dos mananciais. Também se destaca a necessidade de implantação de fóruns de discussão de alteração na legislação de recursos hídricos para que o processo seja participativo, envolvendo toda a comunidade. E, por fim, o Consórcio PCJ conclama a participação do poder público, empresários, ONGs e comunidade em geral, para se mobilizarem em atender as recomendações expostas no “Manifesto de Alerta sobre a Gestão da Água”, com o objetivo de evitar riscos de desabastecimento em futuras crises hídricas.
Para o secretário executivo do Consórcio PCJ, Francisco Lahóz, o sistema de gerenciamento dos recursos hídricos tem um ano decisivo no que tange atualização de ações até então praticadas. “A crise hídrica nos trouxe novos ensinamentos, como o de aprender a lidar com os extremos, seja de secas intensas ou de excesso de chuva, que serão cada vez mais corriqueiros. Em paralelo a isso teremos um ano de grandes desafios na busca por consensos em torno das regras operativas do Sistema Cantareira, em que as mudanças que decidirmos poderão nortear a gestão em outras bacias hidrográficas do Brasil”, diz.
Lahóz também acredita que esses debates podem influenciar as propostas em discussão de alteração das legislações de recursos hídricos. “Esse assunto merece muita atenção da comunidade, para que retrocessos não ocorram frente aos avanços conquistados até hoje”, atenta ele.
O Consórcio PCJ torna público o “Manifesto de Alerta sobre a Gestão da Água” e o enviará a todos os seus associados, municípios e empresas, além de órgãos públicos no âmbito municipal, estadual e federal, e envolver a comunidade por meio dos Comitês de Bacias, ONGs, associações e representantes de classe.
Abaixo leia na íntegra o manifesto:
MANIFESTO DE ALERTA SOBRE A GESTÃO DA ÁGUA
Os participantes do “Projeto Gota d’Água”, em reunião realizada na cidade de Americana/SP no dia 31 de março de 2016, após debaterem sobre os antecedentes, os desafios, e as perspectivas futuras da gestão da água nas Bacias PCJ, subscrevem o presente documento, considerando:
– Que as Bacias PCJ e Alto Tietê possuem alto estresse hídrico, não somente em épocas de estiagem, apresentando uma disponibilidade hídrica inferior à 1.500 m³/hab/ano, estabelecidos como mínimos pela ONU;
– Que a disponibilidade hídrica superficial das Bacias PCJ está próxima do seu limite, agravada pelos eventos climáticos extremos e ocupação desordenada do território, que compromete a recarga dos aquíferos e causa o desaparecimento contínuo de nascentes;
– Que nas Bacias PCJ os aquíferos subterrâneos possuem baixa disponibilidade hídrica frente às demandas, e que o Aquífero Guarani, por tratar-se de área de recarga, também não fornece grandes quantidades de água, gerando-se assim maior dependência regional dos recursos superficiais;
– Que continuam ocorrendo desmatamentos em áreas de nascentes e matas ciliares, dificultando o andamento dos projetos de recomposição florestal, conforme estabelecido pelas legislações;
– Que a média de tratamento dos esgotos coletados é de apenas 72% nas Bacias PCJ, sendo que grande parte dos municípios não coleta todo o esgoto gerado;
– Que os índices médios de perdas de água durante sua distribuição, pelos serviços de saneamento, ainda são superiores a 30%;
– Que existem dificuldades quanto à obtenção, em curto prazo, de novas fontes produtoras de água para o abastecimento das populações das Bacias PCJ e Alto Tietê, sendo que estudos apontam que estas regiões irão demandar, até 2035, mais 60 m³/s de água (o que corresponde a dois Sistemas Cantareira);
– Que a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) divulgaram, em 28/03/2016, o novo calendário oficial para a renovação da outorga do Sistema Cantareira, prevendo-se a conclusão do processo e definição das vazões de água que serão destinadas às regiões envolvidas para ocorrer até 31/05/2017;
– Que existem 33 projetos em trâmite na Câmara dos Deputados propondo alterações na Lei nº 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos), assim como, um projeto encaminhado pelo Governador do Estado de São Paulo para revisão da Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei nº 7.663/91).
PROPÕEM:
– Que todos os projetos voltados à gestão da água, inclusive obras e outras ações estruturais, incluam como item prioritário a educação ambiental, visto que as transformações necessárias para garantir a sustentabilidade almejada têm início na mudança do indivíduo como cidadão.
– Que seja lançado à toda população o desafio de mobilização sobre as reais disponibilidades hídricas de nossa região, atentando para a importância da elaboração de projetos que garantam a sustentabilidade hídrica e o consumo racional da água;
– Que seja incentivada a aquisição de equipamentos de uso racional e a instalação de sistemas de reuso e de armazenamento de água da chuva, reduzindo-se assim o consumo de água tratada para atividades menos nobres;
– Que sejam reforçados e valorizados os diversos tipos de colegiados, associações e serviços comunitários preservacionistas e conservacionistas;
– Que sejam priorizados recursos financeiros para o desenvolvimento de projetos em saneamento, buscando atingir a universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgotos, destinação adequada dos resíduos sólidos e combate às perdas nos sistemas de distribuição de água;
– Que sejam aplicadas medidas necessárias de controle do processo de uso e ocupação do solo (desmatamento e impermeabilização), a fim de garantir a recarga das águas subterrâneas, tanto em áreas urbanas quanto rurais, e também o controle da qualidade da água distribuída à população, através do monitoramento contínuo pelos órgãos responsáveis.
– Que seja priorizada a execução de pequenos reservatórios rurais e municipais, a construção de estruturas para a realimentação de poços profundos desativados, entre outras alternativas, para que toda a água de chuva do verão possa ser armazenada e utilizada durante a época de estiagem, tornando as cidades mais resilientes aos eventos extremos;
– Que seja ampliado o debate sobre o gerenciamento dos recursos hídricos com a devida valorização da água e aplicação de tarifas reais nos serviços de abastecimento que permitam a manutenção e investimentos futuros, além de discutir os impactos da escassez hídrica no emprego e no desenvolvimento econômico;
– Que seja amplamente discutido e avaliado, pelos membros do Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e comunidade em geral, o calendário de discussões proposto pelos órgãos gestores para a renovação da outorga do Sistema Cantareira, visando garantir a ampla participação dos interessados nas reuniões públicas, para que as opiniões e demandas de todos os usuários da água das regiões hidrográficas envolvidas possam ser externadas;
– Que sejam estudadas minuciosamente cada uma das propostas de atualização de leis voltadas à gestão dos recursos hídricos que estão em andamento, para que sejam analisados os impactos dessas alterações e rejeitadas àquelas que se revelem contrárias ao Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos já instituído e consolidado, tendo como base o princípio do “não retrocesso” como garantia dos avanços já alcançados;
– Que as atualizações dos Planos de Recursos Hídricos levem em conta o gerenciamento de eventos hidrológicos extremos e seus impactos às cidades, indústrias e áreas rurais.
RESOLVEM:
– Conclamar as autoridades, gestores públicos, empresários, ONGs e comunidade em geral, para a efetivação de medidas que possam, no curto, médio e longo prazos, reduzir os riscos aqui apresentados, visando equacionar as deficiências hídricas, e implantar um processo de “mudança cultural” no trato com a água, na tentativa de se evitar crises agudas envolvendo os recursos hídricos e o meio ambiente, com conseqüências sobre a qualidade de vida da população e para o desenvolvimento da região;
– Destacar para os gestores públicos o quão importante é alcançar a sustentabilidade financeira dos serviços de saneamento municipais, o que permitiria o cumprimento das ações necessárias na área de saneamento ambiental e também a participação em campanhas de recuperação das nascentes, reuso da água e combate ao desperdício de tão precioso produto;
– Alertar os Comitês de Bacias, Conselhos e demais colegiados quanto à necessidade de estarem atentos às propostas de alterações das políticas de recursos hídricos, criando fóruns de discussão permanentes para garantir que todo o processo seja participativo e que vise o real aprimoramento das legislações e não o seu fracasso.
Participam do Projeto Gota d’Água do Consórcio PCJ: representantes das Secretarias de Educação, Meio Ambiente e Serviços de Saneamento dos municípios de: Americana, Amparo, Artur Nogueira/SP, Atibaia, Bom Jesus dos Perdões, Bragança Paulista, Campinas, Capivari, Cordeirópolis, Cosmópolis, Extrema/MG, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Itupeva, Jaguariúna, Limeira, Louveira, Monte Mor, Nova Odessa, Pedreira, Piracaia, Piracicaba, Rio Claro, Rio das Pedras, Saltinho, Santa Bárbara d’Oeste, Santa Gertrudes, Sumaré, Valinhos e Vinhedo/SP, além de ONGs e empresas da região das Bacias PCJ (ONG Jaguatibaia, Solam, Maestrello Consultoria, Sociedade Humana Despertar, entre outros), Sindicatos Rurais e comunidade em geral.
Americana (SP), 31 de março de 2016.