Árvores: nossas caixas d’água para a Sustentabilidade
Mais do que sombras e oxigênio, elas garantem nossa existência e precisam ser respeitadas
Na definição do dicionário Michaeles, a árvore é um “vegetal lenhoso, em geral de porte alto, que apresenta um caule principal ereto, ou tronco, fixado no solo com raízes, e que se ramifica em galhos carregados de folhas que se constituem em copa; madeira”. Assim crianças aprendem o que são as árvores, sabem desenhá-las com lápis e giz de cera, e até mesmo plantam uma em atividades escolares. Com o passar dos anos, muitas deixam de prestar atenção nelas e até mesmo ignoram sua importância para a sobrevivência do planeta. Todos sabem que elas estão ali, mas o quanto se preocupam com sua existência e preservação?
Para José Carlos Perdigão, engenheiro agrônomo especialista em Gerenciamento Ambiental pela ESALQ/USP (Escola de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo) e presidente da Jaguatibaia Associação de Proteção Ambiental, de Campinas, o primeiro aspecto a se considerar sobre uma árvore é que ela representa a possibilidade de convívio com a natureza para as pessoas que vivem nos núcleos urbanos. “A gente acaba vendo, na maioria das vezes, a natureza através de uma árvore bonita, com uma florada, de grande porte, um passarinho nela cantando… E a partir desse estímulo procuramos entender quais os benefícios que ela pode proporcionar para a gente como indivíduo e como sociedade”, observa.
Árvores ajudam a reduzir a temperatura ambiente, transformam o gás carbônico em oxigênio, e podem até mesmo ter um efeito positivo na redução da poluição sonora. Também são filtros naturais da poeira que, ao serem depositadas em suas folhas, não chegam às casas ou construções que possam estar localizadas próximas a uma estrada de terra, por exemplo. Além disso, sua ausência nos centros urbanos provoca o surgimento das chamadas “ilhas de calor”. “Sem árvores o sol aquece as superfícies o dia todo, e quando chega a noite elas irradiam esse calor. Estudo apontam que esse calor armazenado pode aumentar a temperatura entre 10% e 12% no período noturno”, alerta.
Por essas razões, o engenheiro entende que a presença de árvores no espaço urbano é de extrema importância, seja em praças, parques públicos, calçadas e até mesmo nos quintais das casas.
Formando as caixas d’água
Mas muito além de sua importância nas áreas urbanas, é na região das matas que as árvores cumprem seu principal papel, o de auxiliar na recarga do lençol freático, criando verdadeiras “caixas d’água” para a sustentabilidade hídrica da região na qual estão inseridas. E como isso ocorre, afinal?
Saindo então da cidade, é preciso entender como é seu comportamento nas áreas rurais e florestas. Perdigão lembra que a árvore retém o gás carbônico em seu corpo, que se transforma em casca, folha, tronco, ramo, e no oxigênio que solta beneficia todos os seres vivos. “Acontece um fenômeno muito interessante, que é o ‘cheirinho de mata’. Mas o que é isso? Além do oxigênio mais puro na área de floresta, as folhas também soltam compostos orgânicos voláteis, que quando entram em contato com o sol oxidam e formam minúsculas partículas logo acima das florestas, que servem de pontos para a umidade relativa do ar. Esse ar em forma de gás acima da floresta se condensa, vira uma gotinha e milhões de gotinhas formam as chuvas”, detalha.
Quando chove, se essa água encontra uma superfície com folhas ou árvores, como na floresta, os pingos batem nas folhas, caem devagar, escorrem pelos ramos, pelo tronco, até chegarem ao solo. Essa superfície tem uma característica fundamental, que é o acúmulo de matéria orgânica, de folhas que vão caindo, formando uma camada grande, sendo recicladas por microrganismos, fazendo o solo ficar muito fofinho e poroso, e essa água que escorreu lentamente se infiltra no solo, abastecendo a água subterrânea. “Chamo isso de ‘caixa d’água da natureza’”. No fundo do solo existem caixas d’água que só vão ser abastecidas se houver uma infiltração lenta e suave. Tecnicamente, elas são chamadas de lençol freático, mas se a gente guardar esse termo ‘caixa d’água da natureza’ nunca mais vai esquecer da importância da água subterrânea”, destaca o engenheiro agrônomo.
Reservas fundamentais
E qual a real importância dessas caixas d’água? Perdigão lembra que, ao chegar as estações que não chovem, a água que a gente tem em casa vem dessas caixas d’água. “Mas isso só vai acontecer se na época da chuva foi possível encher essa caixa. Agora, se a gente tirar a floresta, se ficar uma área de um solo exposto, uma agricultura mal conduzida, sem controle de erosão do solo, sem práticas conservacionistas, aquele pingo vem do céu numa velocidade grande e não encontra o anteparo que são as folhas das árvores e seus ramos. Então ele desagrega o solo, faz furinhos, começa a desmanchar as partículas, e se chover muito aumenta esse volume de água. Se ainda tiver uma inclinação esse volume vai acumulando água, aumentando a velocidade e arrastando o solo fértil da superfície, levando-o para baixo em direção às nascentes, ribeirões, córregos, rios, assoreando nossos cursos d’água.”
Com isso, afirma o engenheiro, o prejuízo é duplo: além de não encher a caixa d’água da natureza porque não infiltrou, essa chuva causa erosão, que é o arraste do solo fértil que entope os cursos d’água, provocando assoreamento. “É um prejuízo enorme, porque é certo que na próxima seca as caixas d’água da natureza vão estar vazias, e as nascentes não vão verter água. Por isso é preciso termos as árvores para termos sempre as caixas d’água cheias”, finaliza.
Desde o início das atividades do Programa de Proteção aos Mananciais, em 1991, o Consórcio PCJ buscou privilegiar os plantios em áreas de nascentes e às margens de rios, represas e ribeirões, com o objetivo justamente de ampliar essa recarga das nossas “caixas d’água subterrâneas”, que são protegidas pelas árvores, consideradas as grandes guardiãs das nossas reservas de água. A iniciativa buscou e ainda busca aumentar a disponibilidade hídrica nas Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, as Bacias PCJ.