Por Flávio Forti Stênico e Aguinaldo Brito Júnior*
Segundo o relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos, publicado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o monitoramento hidrológico tem por objetivo fornecer informações sobre a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos em todo o território nacional. Para realização do monitoramento, existem as estações pluviométricas (que monitoram as chuvas) e fluviométricas (que monitoram os rios), que utilizam as informações coletadas para elaborar planos de gestão dos recursos hídricos nas cidades.
A ANA gerencia diretamente 4.841 estações. Desse total, 2.717 são pluviométricas e 2.024 fluviométricas. Com os avanços tecnológicos das últimas décadas, o monitoramento foi modernizado. Antes, os registros eram feitos em papel, com fichas de campo para assinalar os dados dos pluviômetros e observação de réguas para medir as vazões dos rios. Agora, o processo foi automatizado com o uso de diversos sensores que fazem medições em tempo real e encaminham as informações à uma plataforma de coleta de dados (PCD), que armazena os dados.
O uso da tecnologia tem sido fundamental não somente para aprimorar e agilizar as medições, mas também para auxiliar na projeção de cenários futuros e tomadas de decisão em relação à gestão de recursos hídricos.
AS POSSIBILIDADES DE USO DA TECNOLOGIA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS
As inovações tecnológicas possibilitam a introdução de novos métodos e ideias que trazem melhorias para produtos ou serviços, por meio da implementação de novas tecnologias. A inovação abre portas para novas possibilidades e agiliza o tempo das atividades.
No monitoramento hidrológico, a tecnologia permite coletar dados com maior precisão e rapidez até mesmo em áreas remotas. Como exemplo, a tecnologia chamada de Hidrologia Espacial, desenvolvida pela ANA em parceria com a entidade francesa Institut de Recherche pour le Développement (IRD), permite a aquisição de dados em tempo real e a ampliação do monitoramento hidrológico em regiões de difícil acesso do Brasil, através da criação de estações virtuais a partir de dados coletados por equipamentos embarcados (software projetado para executar funções específicas) em satélites. A aplicação desta tecnologia possibilita a atuação rápida para minimizar efeitos de eventos críticos, como secas e enchentes, além de ser mais econômica do que equipamentos no solo.
Além disso, o uso de Inteligência Artificial (IA) está começando a ser utilizado no monitoramento hidrológico. A IA é a capacidade de uma máquina para reproduzir competências semelhantes às humanas, como é o caso do raciocínio, a aprendizagem, o planejamento e a criatividade. Os dispositivos que usam a IA são capazes de aprender com novas informações e experiências, e podem agir de forma independente.
Em estudo realizado na Bacia do Rio Negro (transfronteiriça entre o Uruguai e o Brasil), por exemplo, foi utilizado um modelo hidrológico inspirado em uma rede neural, um aprendizado de máquina que toma decisões de uma forma semelhante ao cérebro humano, utilizando processos que imitam a maneira como os neurônios biológicos trabalham juntos para identificar fenômenos, ponderar opções e chegar a conclusões.
Através dos dados diários de nível e variações das chuvas de 18 estações hidrométricas, presentes nessa bacia hidrográfica, o modelo apresentou desempenho promissor na previsão de quando e quanto o nível do rio vai subir, dado importante para evitar enchentes.
No modelo foi utilizada a rede neural Multi Layer Perceptron, que é formada por camadas de neurônios, onde a primeira camada recebe os dados de entrada, as camadas do meio fazem cálculos e ajustes, e a última camada dá a resposta ou previsão.
O físico Leonardo Bacelar Santos, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ao comentar sobre o estudo na Bacia do Rio Negro, enfatizou que a aquisição de dados hidrometeorológicos, em tempo real, de bacias e rios é vital para o estabelecimento de modelos baseados em dados e para a compreensão de seu comportamento não linear. Desta forma, é possível detectar anomalias com rapidez, antecipar falhas e atuar preventivamente.
A TECNOLOGIA NAS BACIAS PCJ
As Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) apresentam 73 estações de medição pluviométrica em operação. Quanto à fluviometria, verifica-se que, existam na região 46 estações em operação. A rede telemetria das Bacias PCJ oferece dados em tempo real sobre chuva, nível e vazão dos rios em diversos postos de medição distintos e é fundamental para apoiar a tomada de decisões relacionadas ao planejamento e à gestão de recursos hídricos, bem como a atuação da Defesa Civil. Com aproximadamente 5,8 milhões de habitantes, a região é considerada uma das mais importantes no Brasil devido ao seu desenvolvimento urbano, industrial e econômico, que representa cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) Nacional e 14% do PIB Estadual (Plano das Bacias PCJ 2020-2035).
Exemplo de como a tecnologia pode favorecer nos processos de coleta de dados e tomadas de decisão é a Sala de Situação PCJ que permite monitorar em tempo real as vazões (quantidade de água que passa por uma determinada seção do rio em um período de tempo) dos principais rios de abastecimento da região, além de acompanhar o comportamento das barragens do Sistema Cantareira, conjunto de reservatórios responsável pelo abastecimento da região e da Bacia do Alto Tietê. Este monitoramento é vital para o gerenciamento dos recursos hídricos da região, uma vez que, com os dados coletados, é possível os técnicos traçarem cenários e balizar as tomadas de decisão sobre a gestão da bacia hidrográfica, ou seja, possibilita atuar com antecedência e mitigar os impactos de cheias e inundações.
A TECNOLOGIA A SERVIÇO DA GESTÃO DA ÁGUA
O uso de tecnologias no monitoramento hidrológico das bacias hidrográficas é uma ferramenta que permite ampliar a segurança hídrica, já que possibilita a projeção de cenários futuros, o que facilita nos processos de tomada de decisão sobre gestão daquela bacia hidrográfica. Modelos como o da Bacia do Rio Negro, demonstram o potencial que novas tecnologias, entre elas a de IA, possuem para o monitoramento hidrológico.
A precisão e a rapidez proporcionada pela IA, somada às tecnologias já existentes, pode ajudar ainda mais na prevenção de danos, causados por inundações e secas. Além disso, novas tecnologias para o setor de saneamento estão sendo lançadas dia após dia, com potencial para detecção de vazamentos, minimizando os gastos com perdas de água, além de novas formas para processos de tratamento de água e esgoto, que possibilitam maior eficiência no tratamento.
Esse campo está em constante evolução e a perspectiva é de que novas abordagens tecnológicas para o campo de água e esgoto se popularizem nos próximos anos. É importante que os gestores da área, em municípios e empresas, estejam atualizados sobre o seu uso e potencial para que, dessa maneira, seja feita a gestão adequada da água e esgoto, garantindo sustentabilidade hídrica para as gerações atuais e futuras. A tecnologia será uma parceira central para que possamos mitigar ou mesmo se adaptar da melhor maneira possível aos impactos das mudanças climáticas, que impactam severamente a gestão da água.
*Flávio Forti Stênico
Assessor Técnico do Consórcio PCJ – Engenheiro civil, com pós-graduação em Gerenciamento dos Recursos Hídricos, e em Infraestrutura do Saneamento Básico e Planejamento e Regulação.
*Aguinaldo Brito Júnior
Coordenador de projetos do Consórcio PCJ – Engenheiro civil, com pós-graduação em Infraestrutura do Saneamento Básico.
Imagem: Gerada por IA