*Por Aguinaldo Brito Júnior
Segundo três relatórios divulgados em 2024 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA/ONU), 402 bacias hidrográficas ao redor do mundo tiveram diminuição em seus fluxos de água, devido às mudanças climáticas e à agricultura intensiva. O número, representa um aumento cinco vezes maior do que há 25 anos. De acordo com a ONU, lagos e outros corpos de água superficiais estão encolhendo ou desaparecendo completamente em 364 bacias hidrográficas, e 90 países já poluíram um ou mais tipos de ecossistemas de água doce. Os documentos alertam para a tomada de ações imediatas em prol dos rios e da gestão adequada dos recursos hídricos globais, a fim de assegurar água em quantidade e qualidade para as futuras gerações. Caso contrário, a exploração hídrica intensiva, sem preservação adequada dos mananciais, pode comprometer a sustentabilidade hídrica atual e futura em diversas bacias hidrográficas.
Segundo a ONU, as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima, que podem ser de causas naturais, como as provocadas pelas variações do ciclo solar. Porém, desde a Revolução Industrial, por volta de 1800, atividades humanas têm sido o principal motivo das alterações climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que acarretam aumento dos gases de efeito estufa, funcionando como um enorme cobertor envolto ao planeta, elevando a temperatura global. A última década (2011-2020) foi a mais quente da história.
O QUE É O ACORDO DE PARIS?
O Acordo de Paris estabeleceu como meta, limitar a elevação da temperatura do planeta em no máximo 1,5 ºC em relação aos níveis Pré-Revolução Industrial. E por que é usado esse intervalo histórico como parâmetro para definir esses limites? Porque esse é o período mais antigo que se possui dados e registros consistentes da temperatura da superfície do planeta.
Esses limites foram estabelecidos com base em estudos de diversas fontes internacionais que atestam para o risco à nossa existência em caso de aumento muito grande da temperatura global. Os dados são preocupantes. Ensaios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), publicado em 2018, relatou que um aquecimento de 1,5 ºC exporia cerca de 350 milhões de pessoas à escassez de água devido a secas severas. Se o aquecimento chegasse a 2 ºC, esse número subiria para 420 milhões. Outros dados indicam que, em um cenário de aquecimento de 1,5 ºC, a ocorrência de chuvas torrenciais e furacões poderia aumentar em cerca de 7%; com um acréscimo de 0,5 ºC, esse percentual chegaria a 15%.
Em cenários ainda mais extremos, com o aumento da temperatura entre 3 ºC e 4 ºC, países como Itália, Espanha e Grécia passariam a ter clima desértico. Com aquecimento de 5 ºC a 6 ºC, a frequência e a intensidade de furacões aumentariam em 37%, e a cobertura de gelo se reduziria em 75%.
O documento ressaltou ainda que a probabilidade da temperatura média atingir 1,5 ºC aconteceria entre 2030 e 2052. Porém, em 2024, infelizmente, o limite de aquecimento global foi rompido pela primeira vez, atingindo 1,55 ºC e registrando a marca de o ano mais quente já registrado na história, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). As mudanças também têm impacto significativo nos rios mundiais e nas bacias hidrográficas, alterando o regime de chuvas, derretendo geleiras e aumentando a temperatura da água.
A secretária geral da OMM, Celeste Saulo, comentou em janeiro desse ano, quando da apresentação dos dados climáticos, que um único ano acima do limite de 1,5 ºC não significa que não será possível atingir as metas de temperatura de longo prazo do Acordo de Paris, mas que o incremento de cada grau na temperatura do planeta exigirá mais esforços globais em ações para impedir um aquecimento acima do limite definido, podendo impactar severamente as nossas vidas.
A SITUAÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS
Como as Bacias Hidrográficas são afetadas pelo aumento da temperatura do planeta? Um tema que parece tão distante, pode estar mais próximo de nossas vidas cotidianas do que podemos imaginar. As bacias hidrográficas são áreas ou regiões de drenagem de um rio principal e seus afluentes. Elas são um espaço no qual as águas da chuva, montanhas, subterrâneas e de outros rios são drenadas, ou seja, escoam em direção a um determinado curso d’água.
No Brasil, um estudo divulgado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em 2024, apontou que as principais bacias hidrográficas brasileiras podem sofrer com a redução de 40% na disponibilidade de água até 2040. As bacias localizadas no Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste tendem a sofrer com maior escassez. Além disso, existe um aumento substancial no número de trechos de rios intermitentes (Rios que secam nas épocas de estiagem) no futuro, nessas regiões.
Segundo a ANA, a redução da disponibilidade hídrica deverá se intensificar com o passar do tempo, na medida em que os níveis de emissão de gases do efeito estufa aumentam e a temperatura aumenta no Brasil. Essa escassez hídrica, além de afetar o abastecimento de água nas cidades, tem impacto direto na geração de energia hidrelétrica e na agricultura de subsistência (Sustento do agricultor e sua família).
No caso das Bacias PCJ (Bacia Hidrográfica dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), a convivência com o estresse hídrico é uma constante, inclusive, essa situação é o que mobilizou a fundação do Consórcio PCJ e a implantação do sistema de gerenciamento de recursos hídricos na região, já que a disponibilidade hídrica chega em níveis de 450 m³ por habitante ao ano, em períodos de estiagem (cada m³ são mil litros). Segundo a ONU, bacias hidrográficas com menos de 1000 m³/habitante/ano, se configuram como bacias de estresse hídrico crônico. O abastecimento da bacia hidrográfica consegue ser realizado consegue ser realizado graças à eficiente gestão dos recursos hídricos, realizado pelas entidades da região que formam a Família PCJ: Consórcio PCJ, Fundação Agência das Bacias PCJ, Comitês PCJ e ARES-PCJ (Agência de Regulação do Saneamento).
O Consórcio PCJ acompanha mensalmente o comportamento climático na região e seus impactos à disponibilidade hídrica, por meio de seu Boletim Hidrológico. Esse acompanhamento tem verificado nos últimos anos estabilidades no comportamento climático das Bacias PCJ, como a ocorrência de eventos hidrológicos extremos, ou seja, verifica-se intensas precipitações de chuvas em curtos períodos, com volumes, muitas vezes, acima das médias históricas e com impactos danosos às cidades, com episódios de enchentes causando estragos em casas, comércios e vias urbanas, e, na área rural, comprometem estradas vicinais, carreiam sedimentos para os rios, gerando assoreamentos, além de não possibilitarem a recarga do lençol freático, devido ao forte volume de água, que acaba escoando para os leitos dos cursos d’água. Os eventos climáticos extremos não contribuem para a ampliação da segurança hídrica.
COMO ESTÃO AS VAZÕES DOS RIOS DAS BACIAS PCJ?
De acordo com dados da Sala Situação PCJ, a vazão dos rios das Bacias PCJ enfrentaram dificuldades durante a estiagem de 2020 a 2022, mas tiveram melhoras de 2023 a 2024. A disparidade é ainda maior quando comparada a crise hídrica de 2014/2015, como no caso da vazão do Rio Atibaia, que naquele período chegou a apresentar volumes de 3,42 m³/s, mas ao final de 2024, atingiu 15 m³/s.
Desde janeiro de 2025, as vazões dos rios na região têm se apresentado abaixo da média, com destaque para o mês de março, quando ficaram em média cerca de 60% abaixo do esperado na abrangência dos postos de monitoramento mensalmente divulgados no Boletim Disponibilidade Hídrica Bacias PCJ do Consórcio PCJ com base em dados da Sala de Situação PCJ. Esse cenário, de acordo com as previsões meteorológicas disponíveis, não deve mudar no próximo trimestre, já que não são esperadas precipitações acima da média.
AÇÕES DE CONTINGENCIAMENTO DO CONSÓRCIO PCJ
Desde a sua fundação, em 13 de outubro de 1989, o Consórcio PCJ busca com seus projetos e ações dar maior resiliência hídrica às Bacias PCJ e promover a proteção dos mananciais. Diversas parcerias e acordos de cooperações técnicas foram realizados nesses anos todos, buscando estudar comportamentos climáticos e traçar cenários futuros e como se adaptar a essas realidades.
Atualmente, com 10 programas de atuação, o Consórcio PCJ tem trabalhado para tornar a região mais bem preparada para enfrentar os desafios impostos à gestão de recursos hídricos frente às mudanças climáticas. Ações como o plantio de 4,5 milhões de mudas de árvores, que permitiu o sequestro de 800 mil toneladas de carbono da atmosfera, gases que causam o efeito estufa e aumento da temperatura global, a capacitação de mais de 3 milhões de pessoas (público formal e não formal) pelo Programa de Sensibilização e Educação Ambiental, ampliação do tratamento de esgotos de 3 para 75%, combate às perdas hídricas que passavam de mais de 50% para 35%, com municípios chegando a índices abaixo de 20%, conforme preconizado pela ONU, são resultados de 35 anos de história de muito trabalho em prol dos recursos hídricos das Bacias PCJ e do Brasil.
O Projeto Gota D´Água, cujo objetivo é promover ações de educação ambiental voltadas à gestão da água, envolvendo o público-formal (escolas) e o não-formal (comunidade), nos últimos anos tem atentado para a problemática das mudanças climáticas e seus impactos a disponibilidade hídrica. Em média, 150 mil pessoas participam das ações do projeto nas Bacias PCJ e, para 2025, o tema será “Água: Guardiã da Biodiversidade”.
No que tange a Governança da água, o Consórcio PCJ tem realizado estudos e disponibilizado capacitações por meio da Escola da Água e Saneamento para preparar técnicos de serviços de água e profissionais de diversas áreas do setor público e privado, sobre a gestão de recursos hídricos atual frente aos impactos das mudanças climáticas. Mais de 3 mil pessoas já passaram pelos cursos presenciais e online da escola.
Diversos estudos sobre segurança hídrica têm apontado fortes impactos das mudanças climáticas à gestão da água. Nesse cenário, as Bacias Hidrográficas estão sendo fortemente impactadas pelo aquecimento global e necessitam urgentemente se preparar para esse cenário futuro cada vez mais próximo da realidade acarretando riscos a biodiversidade, ao clima e à disponibilidade hídrica.
A palavra da vez é: Adaptação. Os governos devem implementar ações e investir em Planos municipais, regionais e nacionais de recursos hídricos, prevendo ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas para assim, garantir água suficiente às gerações atuais e futuras. É recomendável aos municípios incentivar a criação de programas e leis que promovam o uso sustentável dos recursos naturais, em especial a água, e capacitando e conscientizando os cidadãos sobre o tema.
O Consórcio PCJ atua, desde 1989, em parceria com governos, empresas e sociedade civil, implementando projetos e medidas para proteger e garantir a disponibilidade de água nas Bacias PCJ. Se você município ou empresa ainda não faz parte do nosso quadro de associados, convidamos a se informar mais sobre o nosso trabalho e como ele impacta na disponibilidade hídrica da nossa região. Venha fazer parte desse grupo em prol da água e ajude a tornar nossa bacia hidrográfica mais resiliente às mudanças climáticas e com mais segurança hídrica.
Acesse o canal sobre como se tornar um associado e participe da nossa entidade, além de contribuir para a gestão sustentável da água da nossa região.
*Aguinaldo Brito Júnior
Coordenador de projetos do Consórcio PCJ – Engenheiro civil, com pós-graduação em Infraestrutura do Saneamento Básico.