Calor extremo, segurança hídrica e o futuro do trabalho

Por Francisco Carlos Castro Lahóz*

O relatório recém-divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) marca um divisor de águas no debate global sobre mudanças climáticas e seus efeitos diretos sobre a saúde, a produtividade e a economia. Intitulado “Climate Change and Workplace Heat Stress”, o documento compila cinco décadas de pesquisas e mostra, com clareza, como o aumento das temperaturas coloca em risco bilhões de trabalhadores em todo o mundo.

Setores como agricultura, construção civil e pesca já sentem de forma mais intensa os efeitos do calor extremo. A cada grau acima de 20°C, estima-se uma queda de 2% a 3% na produtividade, impactando não apenas a renda das famílias, mas também a economia global. Além disso, os riscos à saúde — que vão de desidratação e insolação a problemas renais e neurológicos — ampliam a vulnerabilidade de trabalhadores, especialmente crianças, idosos e populações de baixa renda.

Essas constatações também ecoam nas discussões que temos acompanhados nas últimas edições do Fórum Mundial da Água, organizado pelo Conselho Mundial da Água, entidade internacional referência na área de gestão de recursos hídricos. No Fórum mais recente, ocorrido em Bali, na Indonésia, em 2024, diversos painéis e declarações oficiais alertam que a crise climática não é apenas uma crise ambiental: é também social, econômica e de saúde pública. O Fórum tem chamado atenção para a interdependência entre água, clima e desenvolvimento sustentável. O calor extremo, além de aumentar a evaporação e agravar a escassez hídrica, pressiona sistemas de abastecimento, compromete ecossistemas e desafia a governança da água.

O calor extremo e seus impactos à gestão dos recursos hídricos

Em 2025, o Brasil enfrentou diversas ondas de calor no início do ano, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Esse fenômeno climático trouxe impactos diretos ao sistema de saneamento, uma vez que ondas de calor, tempestades intensas e secas prolongadas pressionam a gestão da água e do esgoto. Entre os principais efeitos estão a redução do volume de mananciais, aumento da concentração de poluentes, proliferação de cianobactérias e maior demanda por água, que pode ultrapassar a capacidade de abastecimento. Além disso, o calor extremo acelera o desgaste de tubulações e bombas, eleva o consumo de energia e favorece a propagação de patógenos, elevando o risco de contaminações.

No sistema de esgotamento sanitário, as ondas de calor intensificam a decomposição da matéria orgânica, aumentando odores e dificultando o tratamento adequado dos efluentes. As Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) podem ter sua eficiência reduzida e operar acima da capacidade devido ao maior volume de água consumida pela população, além de sofrer danos físicos acelerados pelo calor. Esse cenário reforça a urgência de políticas públicas de adaptação para garantir o acesso à água e ao saneamento em contextos climáticos extremos, assegurando a resiliência das cidades e a qualidade de vida das comunidades.

População precisa saber como se proteger

Em 2024, ano mais quente da história (dado confirmado pela ONU. Link: ONU confirma 2024 como o ano mais quente já registrado) com registros acima de 40°C e até 50°C em diferentes continentes, ficou evidente que não se trata mais de um risco futuro, mas de uma realidade presente. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 2,4 bilhões de pessoas enfrentam exposição excessiva ao calor no trabalho, resultando em cerca de 22,8 milhões de acidentes anuais.

Diante desse cenário, as recomendações apresentadas pela OMS e OMM ganham relevância imediata: criação de planos de ação específicos para setores e regiões, formulação de políticas públicas adaptadas às condições locais, capacitação de profissionais de saúde e trabalhadores para reconhecer sinais de estresse térmico, e maior engajamento social para estruturar respostas coletivas.

O Ministério da Saúde atenta que para mitigar os impactos das ondas de calor também são recomendadas algumas orientações como: manutenção de ambientes frescos com ventiladores – centros comunitários e shoppings podem servir como refúgio, monitoramento da saúde e ajuste de medicações conforme orientação médica, alimentação leve e ajuste na rotina de exercícios – planejar atividades ao ar livre para os horários mais frescos do dia.

Ondas de calor x Segurança Hídrica

No Consórcio PCJ, entendemos que a segurança hídrica é um eixo central dessa agenda. Sem disponibilidade de água em quantidade e qualidade, os impactos do calor extremo tendem a se agravar, reduzindo ainda mais a capacidade de adaptação da sociedade e da economia. É fundamental fortalecer a gestão integrada de recursos hídricos e trabalhar em ações que de forma sistemática e interligada permitam as bacias hidrográficas se tornarem mais resilientes aos eventos extremos, como as ondas de calor extremo.

Ações como, reflorestamento de matas ciliares, proteção de mananciais e inovação tecnológica nos serviços de abastecimento para a gestão eficiente da água, são medidas que deixaram de ser recomendações para se tornarem obrigatórias para um futuro com segurança hídrica.

Municípios, empresas e o agronegócio precisam investir urgentemente em planos de adaptação climática, que tenham como uma de suas diretrizes a gestão da água de forma sustentável, prevendo momentos de estresse hídrico cada vez mais intensos, seja pela ocorrência de estiagens mais severas e repetidas durante o ano, seja por ondas de calor extremo que impactam ainda mais a disponibilidade hídrica tão impactada pela ocorrência de eventos extremos.

O Plano Nacional de Recursos Hídricos 2022-2040 (https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/seguranca-hidrica/plano-nacional-de-recursos-hidricos-1/pnrh_2022_para_baixar_e_imprimir.pdf), atualizado logo após a pandemia de Covid-19, somou esforços de toda a sociedade brasileira para estabelecer um planejamento dentro da gestão dos recursos hídricos para garantir água para o nosso desenvolvimento. Nele, dentre o plano de ações, consta um subprograma específico sobre gestão e adaptação às mudanças climáticas (subprograma 4.4), no qual a diretriz principal é avaliar sistematicamente os impactos das mudanças climáticas à gestão dos recursos hídricos, com o objetivo de aprimorar os instrumentos de gestão. Ter conhecimento sobre as ações do plano é vital para a sustentabilidade hídrica.

O calor extremo e a escassez de água não respeitam fronteiras; exigem respostas conjuntas, urgentes e sustentáveis. Se quisermos garantir não apenas a produtividade, mas a dignidade do trabalho e a saúde das futuras gerações, precisamos colocar a água e o clima no centro das políticas públicas e empresariais.

*Francisco Carlos Castro Lahóz é engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia de Piracicaba da Fundação Municipal de Ensino (EEP/FUMEP) e mestre em irrigação e drenagem pela Universidade de São Paulo (USP). No Consórcio PCJ, exerce as funções de coordenador de projetos, gerente técnico e secretário executivo.

Foto: Wirestock/Freepik

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