Por Mariane Leme*
Segundo o relatório Fios da Moda, produzido pela Modefica e Fundação Getúlio Vargas (FGV), uma única peça de calça jeans com fibra de algodão possui uma pegada hídrica de 5,2 mil litros de água, desde o plantio da fibra até o pós-consumo. A quantidade é muito maior que a necessidade diária de água por pessoa, que segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), é de 100 litros por dia, suficientes para atender as necessidades básicas.
A pegada hídrica permite o conhecimento desse e de vários outros dados sobre a maneira que a humanidade consome a água. O conceito mede o volume total de água doce utilizado, direta ou indiretamente, para produzir bens e serviços consumidos por uma pessoa, empresa ou país.
Conscientizar sobre o uso racional da água e provocar reflexões sobre a forma de consumo é o principal objetivo da pegada hídrica, que se torna ainda mais essencial em cenário de mudanças climáticas e aumento populacional.
TIPOS DE PEGADA HÍDRICA
O conceito de pegada hídrica foi criado pelo pesquisador holandês Arjen Hoekstra, em 2002, enquanto trabalhava no Instituto UNESCO-IHE para a Educação em Recursos Hídricos. Devido ao crescente interesse da indústria pelo conceito, em 2008, Hoekstra fundou a Water Footprint Network (rede de pegada hídrica), organização sem fins lucrativos que reúne profissionais da área. Através do site, qualquer pessoa pode calcular sua própria pegada hídrica.
De acordo com a organização, existem três tipos de pegada hídrica: verde, azul e a cinza. A verde diz respeito à água da chuva que evapora ou é adicionada ao produto durante o processo de produção. A azul relaciona-se com as águas superficiais ou subterrâneas que evaporam ou são agregadas ao produto, ou não retornam ao corpo hídrico de origem. Já a cinza se trata do volume de água necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo, a partir de concentrações naturais e de padrões de qualidade da água existentes.
Cada uma delas desempenha um papel importante na gestão responsável da água e ajuda a entender como o uso humano do recurso afeta não apenas a quantidade disponível, mas também a qualidade da água e os ecossistemas aquáticos.
COMO CALCULAR?
Para calcular a pegada hídrica, primeiramente é necessário entender qual a finalidade. Por exemplo, se o propósito é determinar a pegada hídrica de um produto, deve-se realizar a soma das pegadas hídricas das etapas do processo ocorridas na elaboração do produto. Já se o caso é de um consumidor, a soma a ser realizada é a de todos os produtos consumidos por ele.
Existem passos a serem seguidos para conseguir realizar o cálculo, como identificar todas as etapas do processo, calcular cada tipo de pegada (azul, verde, cinza) e somar, mas atualmente há ferramentas que fazem isso. A própria Water Footprint Network é um exemplo que se consolidou como uma organização de referência ao desenvolver metodologias e calculadoras de pegada hídrica amplamente utilizadas nos estudos da área.
A realização do cálculo se configura como algo fundamental, que pode ser utilizada para definir parâmetros de referência para o consumo da água em setores e produtos, além de aumentar a conscientização sobre a sustentabilidade hídrica.
HÁBITOS PARA REDUZIR A PEGADA HÍDRICA
As empresas possuem um papel fundamental na redução da pegada hídrica, já que consomem cerca de 9,7% a 21% da água retirada no Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA).
Há várias ações que podem ser feitas pelas empresas para reduzirem seu consumo. Primeiramente, deve ser realizada uma avaliação da pegada hídrica atual da empresa e, com base nessa investigação, acompanhar o progresso e estabelecer metas para a redução. Após a etapa inicial, é essencial conscientizar os funcionários e investir em tecnologias e práticas sustentáveis, como captação de água da chuva e implementação de processos de produção mais eficientes.
O Consórcio PCJ, através da sua equipe técnica, assessora municípios e empresas associados, com objetivo de reduzir a pegada hídrica de suas atividades, contribuindo assim para a gestão eficiente da água. A entidade oferece suporte para elaboração de campanhas de consumo racional e consultoria técnica em ações e projetos ambientais e de gestão de recursos hídricos.
A sociedade também pode e deve ajudar na redução da pegada hídrica para que possamos ter um futuro mais sustentável e de segurança hídrica. Algumas iniciativas são sugeridas para isso, como por exemplo: reduzir o tempo de banho e utilizar chuveiros ecológicos; diminuir o consumo de alimentos cuja produção exige grandes volumes de água; apoiar a agricultura, pecuária e pesca sustentável e local; evitar o consumo de produtos e marcas que não levem em conta a gestão ambiental e da água e optar por um consumo responsável.
Por meio do programa de Educação e Sensibilização Ambiental, o Consórcio PCJ sensibiliza os consumidores e a comunidade acerca dos desafios e soluções ligados à conservação e proteção dos recursos hídricos. O Projeto Gota d’Água, por exemplo, capacita em média 150 mil pessoas por ano e reconhece as práticas sustentáveis dos participantes pelo Prêmio Sua Gota faz a Diferença.
CENÁRIO BRASILEIRO REQUER ATENÇÃO
Segundo o estudo “Demanda Futura por Água em 2050: Desafios da Eficiência e das Mudanças Climáticas”, divulgado pelo Instituto Trata Brasil, em novembro desse ano, o Brasil pode viver uma nova era de racionamentos de água até 2050. De acordo com o levantamento, a demanda por água tratada no país deve crescer 59,3% nas próximas duas décadas, impulsionada pela elevação das temperaturas, expansão das cidades e pelo avanço econômico.
O estudo do Instituto Trata Brasil ainda estima que atualmente, 40,3% da água tratada no país não chega às torneiras, desperdiçada por vazamentos, ligações clandestinas ou falhas operacionais. Isso representa 7 bilhões de metros cúbicos perdidos por ano, o suficiente para cobrir a demanda adicional prevista até 2050.
Iniciativas para reduzir o desperdício e ampliar a disponibilidade de água são essenciais para garantir o desenvolvimento sustentável. Uma mudança cultural com o manejo da água é fundamental para a promoção do uso consciente dos recursos hídricos.
O Consórcio PCJ realiza ações desde 1989 que objetivam sensibilizar a sociedade das Bacias PCJ sobre a situação da água da região e engajar todos na proteção e recuperação de nossos mananciais. Algumas iniciativas se destacam com impactos na redução da pegada hídrica da região, como: ações de educação ambiental, Grupo de Perdas Hídricas para o combate ao desperdício nas redes de distribuição, projetos de reflorestamento ciliar, entre outros.
Além disso, a entidade disponibiliza mensalmente o Boletim Hidrológico das Bacias PCJ, que apresenta dados e informações sobre as precipitações e vazões dos rios na região. O monitoramento contínuo das condições hidrológicas e climáticas permite que as empresas, municípios e a sociedade tomem conhecimento sobre a situação de sua região.
A união em prol da água é necessária. A participação da população com ações dentro de casa, o investimento das empresas em tecnologias e dos municípios na gestão integrada dos recursos hídricos contribuem para a diminuição da pegada hídrica na nossa bacia hidrográfica, como em todo o país, e na construção de um futuro hídrico mais resiliente.
Coordenadora de Projetos do Consórcio PCJ – Engenheira Ambiental, com Mestrado e Doutorado em Engenharia Civil – Saneamento e Ambiente
Imagem: Gerada por IA