ENCOB 2025 – Vitória (ES): O que foi que ninguém viu?

Por Francisco Lahóz*

O Encontro Nacional dos Comitês de Bacias (ENCOB), que aconteceu entre dos dias 8 a 13 de setembro de 2025, em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, trouxe uma mensagem de todo o segmento de gerenciamento dos recursos hídricos: existimos, desejamos atenção, espaço para diálogo e estamos aptos para auxiliar a construir a sustentabilidade hídrica e econômica do Brasil. Nesta edição do evento, notou-se uma intensa troca de experiências geracionais dentro do sistema de gerenciamento de recursos hídricos buscando dar sustentabilidade à continuidade de gestão para os próximos anos. E vou atentar por quê.

Houve uma marcante participação de jovens, participando de palestras, encontros técnicos e contribuindo com debates sobre a água e, sobretudo, abertos a ouvir e fazer trocas de experiências com os fundadores do sistema de gerenciamento de recursos hídricos, os conhecidos “hidrossauros”, apelido carinhoso dado pelos demais integrantes da área de gestão dos recursos hídricos. Esses resgates históricos fortalecem o sistema no presente e anima a confiança para a continuidade no futuro das boas práticas e defesa da água

Verificou-se, também, a presença de organismos públicos fortes como a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA), possibilitando a interação da sua equipe com os participantes do Encontro, por meio das apresentações de experiências em painéis e debates técnicos e institucionais.

ALERTA NO ENCOB

Este ENCOB deixou um alerta bem claro pelos seus participantes: é preciso empoderar e fortalecer novamente o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos como ocorreu em seus primeiros 21 anos de existência, quando se irradiava um olhar diferenciado sobre sua importância de articulação nacional e o seu papel na gestão dos recursos hídricos, ao ressaltar para toda a sociedade que a água  faz a diferença na sustentabilidade ambiental, econômica e social, tão impactada atualmente pela degradação e pelos eventos climáticos extremos, intensificando os riscos à segurança hídrica em um curto espaço de tempo futuro.

Os participantes deste ENCOB deixaram claro estar cientes e conscientes dos impactos das mudanças climáticas à gestão dos recursos hidricos e quanto à necessidade de contribuir, entre outras ações, na sensibilização da comunidade sobre a importância da água e seus reflexos para outras áreas sensíveis do desenvolvimento sustentável e social.

O Consórcio PCJ sempre participou dos ENCOBs atuando como agente de articulação, fomento e sensibilização e colaborador com a criação do sistema de gerenciamento dos recursos hídricos e membro dos Comitês de Bacias PCJ. Na edição de 2025, em Vitoria (ES), mais uma vez esteve presente, participando de seminários, diálogos importantes, apresentando trabalhos técnicos, fomentando boas práticas e trocando experiências como já é a tradição na entidade.

Esse ENCOB de 2025 trouxe uma alegria muito grande e, ao mesmo tempo, um alerta maior ainda. A alegria de ver um sistema vivo e pulsante, com jovens começando no sistema se unindo aos experientes na busca por respostas e metodologias pela sustentabilidade hídrica. E o alerta de que a união entre novatos e “hidrossauros” terá pela frente o desafio de gerenciar mais conflitos sobre a água com o avanço das mudanças climáticas e eventos extremos, o que exigirá experiência e habilidade para transformar problemas em oportunidades.

No evento, lembrei a todos sobre a atuação marcante de Paulo Pain, que faleceu no último ano e foi um dos pioneiros na construção do sistema de gerenciamento existente hoje, com atuação marcante desde o Rio Grande do Sul. Paim foi o primeiro Presidente do Fórum Nacional dos Comitês de Bacias, em 1999. Antes de nos deixar, ele produziu, ao lado de Monica Amorim, o podcast “Água de Todos”, criado com o objetivo de compartilhar informações sobre planejamento e gestão de Recursos Hídricos e suas interfaces. Juntos, os dois entrevistaram um grande número de “hidrossauros” que contribuíram e lutaram pelo sistema, com os episódios disponíveis no YouTube: https://www.youtube.com/@aguasdetodos/videos.

TROCAS DE EXPERIÊNCIAS

No ENCOB, verificou-se a curiosidade de membros e representantes dos Comitês de Bacias em conhecer como cada um deles está trabalhando os eventos climáticos extremos na sua região hidrográfica. Ainda que as características nas regiões são diferentes e as soluções também, porém, muitas delas podem ser utilizadas ou compartilhadas em algum momento por outras bacias hidrográficas. Essa iniciativa possibilitou uma intensa troca de experiências, permitindo a integrantes das mais diversas regiões hidrográficas levar lições e aprendizado para casa.

O ENCOB 2025, marca uma nova era. Os organizadores passaram a tarefa de toda a estruturação do evento para a ASSEMAE (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) que já tem tradição em realizar eventos de grande porte. A ASSEMAE soube profissionalmente conduzir o ENCOB de uma maneira muito especial, aproveitando todo o potencial do local do evento. Novidades foram implantadas, como a criação de espaços para os participantes relaxarem, interagirem, realizarem network e, acima de tudo, propiciar aos participantes se sintam acolhidos e bem à vontade, facilitando essas trocas.

Assim, podemos atribuir como legado do ENCOB 2025 a apreensão aos impactos dos eventos climáticos extremos à gestão de recursos hídricos e o grito de todos os participantes do sistema para um maior reconhecimento de seu trabalho pelos entes públicos, privados e pela própria sociedade, uma vez que, todos esses atores necessitam assumir integralmente que a água sempre fez a diferença e com os eventos climáticos extremos essa diferença é redobrada e amplificada.

Esse último ENCOB nos trouxe respostas que estávamos aguardando há muito tempo: o sistema está vivo e deseja ser ouvido, tendo muito potencial para contribuir nacional e internacionalmente através de ricas trocas de experiências.

A IMPORTÂNCIA DA COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA

Para o Consórcio PCJ, estar presente no ENCOB 2025, em Vitória no Espírito Santo, foi de uma magnitude e importância de relevância inigualável, principalmente, porque proporcionou a defesa da relevância da cobrança pelo uso da água para a gestão de recursos hídricos, ao compartilhar com diferentes regiões hidrográficas sua exitosa experiência de Cobrança Voluntária pelo uso dos recursos hídricos, promovida em 1999, em três sub-bacias nas Bacias PCJ. A partir dessa experiência a entidade conseguiu engajar a comunidade e os usuários para que a cobrança oficial fosse implantada, anos depois, fortalecendo a sustentabilidade e viabilidade das ações de melhoria e evolução da região.

A região hidrográfica do Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) acumula 19 anos de execução bem-sucedida da Cobrança Oficial, construindo grande bagagem, com erros e acertos, e que permite compartilhá-la aos comitês de bacias que estão iniciando a sua cobrança agora.

Nesse contexto, ficou evidente o que “poucos viram”, é que o tema acerca da cobrança pelo uso dos recursos hídricos no Brasil avançou muito, porém, existem enormes dificuldades em relação a ela, uma vez que temos de fazer a gestão de um país como o Brasil, com dimensões continentais, com características, geomorfológicas, ambientais, culturais e outras tantas, assombrado pelos impactos dos eventos climáticos extremos.

GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS INTEGRADA

Isto posto, fica extremante complexo promover a integração entre todos os instrumentos de gestão da Política Nacional (planos de recursos hídricos, enquadramento dos corpos d’agua, outorga dos direitos de uso, cobrança pelo uso dos recursos hídricos e o Sistema de Informações), bem como, sensibilizar os atuais gestores públicos de todo o país, que as conquistas do sistema de gerenciamento de recursos hídricos são únicas e acertadas, no entanto, como estão em processo de construção demonstram fragilidade e não devem sofrer ingerências ou alterações normativas durante sua implementação ou execução.

Contingenciar os valores arrecadados pela Cobrança dos recursos hídricos acarreta um prejuízo econômico, técnico e cultural para a gestão compartilhada, descentralizada e participativa em todo o território nacional e sem dúvida alguma, com impactos severos para a gestão das Bacias hidrográficas, onde a sociedade vem assumindo compromissos e aliviando os gestores públicos de muitas responsabilidades.

Portanto, ainda há tempo de revisar essa posição e fortalecer, inclusive, financeiramente, a ANA, empoderar novamente com “urgência” o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos (CNRH) e abrir espaço para um diálogo nacional sobre os erros e acertos, dos caminhos que levariam a concretização do sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, saneamento e meio Ambiente.

A Cobrança pelo uso dos recursos Hídricos conectada de forma inteligente aos demais instrumentos de gestão, poderá trazer a tão sonhada e necessária sustentabilidade ao “Sistema”. Já caminhamos muito, porém, com alguns ajustes de percurso, sensibilização, planos de segurança hídrica, estudos mais focados nos impactos das mudanças climáticas à água e muito compromisso entre usuários, sociedade e poder público, poderemos ofertar ao país a contribuição que ele tanto necessita.

Francisco Carlos Castro Lahóz é engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia de Piracicaba da Fundação Municipal de Ensino (EEP/FUMEP) e mestre em irrigação e drenagem pela Universidade de São Paulo (USP). No Consórcio PCJ, exerce as funções de coordenador de projetos, gerente técnico e secretário executivo.

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