O desmatamento da Mata Atlântica e a sua ligação com a crise hídrica

Por Flávio Forti Stenico Assessor técnico do Consórcio PCJ 

A Mata Atlântica é um dos grandes biomas do Brasil, juntamente com a Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal e Pampa, destacando-se como uma das florestas mais ricas em biodiversidade do planeta. 

Abrangendo aproximadamente 15% do território nacional em 17 estados, ela constitui o lar para 72% da população brasileira, contribuindo com 70% do Produto Interno Bruto (PIB).

Diversos serviços essenciais como fornecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo dependem dela, mas atualmente restam apenas 12,4% de sua vegetação original

Na Mata Atlântica estão localizadas 9 das 12 regiões hidrográficas do Brasil, são elas: Parnaíba, Atlântico Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, Paraná, Uruguai, Atlântico Sul e Paraguai.

Suas florestas e bacias garantem a quantidade e a qualidade da água potável para mais de 145 milhões de pessoas, distribuídas em 17 estados e 3.429 municípios. Dessa forma, eventuais impactos têm o potencial de causar danos em diversas regiões das bacias e do território.

A crise hídrica e a Mata Atlântica

O Brasil vem enfrentando crises hídricas ao longo dos anos, e elas não se resumem à falta de chuva. É devido a uma combinação de fatores, como meteorológicas, má gestão dos recursos hídricos, falta de infraestrutura de abastecimento adequada, educação para promover o consumo consciente de água, redução de desperdícios, utilização de fontes alternativas aos reservatórios e controle de problemas ambientais, em especial o desmatamento e poluição.

A falta de mudança de comportamento das pessoas e a não observação da busca por soluções voltadas ao meio ambiente, estão contribuindo para os altos indicadores de poluição e a precária condição ambiental, especialmente nos rios da Mata Atlântica.

Essa escassez acentua as disputas pelo uso da água e tem impactos diretos no setor hidrelétrico, que é responsável por mais de 70% da matriz energética brasileira. Mas o que as árvores têm a ver com os rios? 

A falta de cobertura florestal em áreas de nascentes e margens de rios, conhecidas como matas ciliares, compromete tanto a qualidade quanto a quantidade da água, resultando no acúmulo de sedimentos nos cursos d’água, e podendo até mesmo ocasionar o desaparecimento de mananciais, pois a remoção da vegetação dificulta a absorção da água da chuva pelo subsolo, o que prejudica o abastecimento das reservas subterrâneas e das nascentes.

Uma análise baseada nos dados do Atlas da Mata Atlântica, conduzido pela Fundação SOS Mata Atlântica em colaboração com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), revela que o desmatamento na Mata Atlântica está afetando as principais bacias hidrográficas que constituem esse bioma. Entre as 47 localizadas em Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHs), 35 tiveram desflorestamento em seus territórios entre 2019 e 2020, sendo que 10 dessas bacias concentram 80% do desmatamento total ocorrido nas áreas de bacias hidrográficas.

Além disso, a contaminação proveniente de esgoto, resíduos sólidos e agrotóxicos impacta negativamente os rios, podendo resultar em sua deterioração e tornar a água inadequada para consumo. Um estudo recente da SOS Mata Atlântica, revela que apenas 7% dos rios da Mata Atlântica apresentam água de boa qualidade.

A pesquisa indicou que somente 6,9% dos locais examinados demonstraram água de boa qualidade, 75% dos casos uma qualidade regular, 16,2% qualidade ruim e 1,9% qualidade péssima, não obtendo a presença de amostras consideradas ótimas. Consequentemente, quase 20% dos pontos analisados não atendem aos requisitos mínimos para o uso da água, como na agricultura, indústria, abastecimento humano, consumo animal, lazer ou prática de esportes.

Os dados destacam a condição delicada dos recursos hídricos no Brasil durante este período de crise climática, exigindo ação imediata por parte dos responsáveis públicos e da população. A situação precária do saneamento básico no país, onde menos de metade da população tem acesso a esse serviço, e a deterioração dos solos e das matas nativas em suas bacias hidrográficas são elementos que agravam esse quadro.

Segundo o novo boletim do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD), o desmatamento na Mata Atlântica caiu 59% de janeiro a agosto de 2023, comparado ao mesmo período em 2022. Entretanto, é relevante ressaltar, que esse dado considera apenas os limites do bioma Mata Atlântica estabelecidos pelo IBGE em 2019. Na região abrangida pela Lei da Mata Atlântica, implementada em 2006 e que engloba áreas no Cerrado e na Caatinga, a situação foi outra, entre janeiro e maio de 2023, o desmatamento nesses dois biomas aumentou, respectivamente, 13% e 123%.

A segurança hídrica depende de soluções baseadas na natureza, especialmente durante esta década designada pela ONU como a “Década da Restauração dos Ecossistemas”, e a Mata Atlântica é essencial para o ciclo hidrológico. 

A Mata Atlântica nas Bacias PCJ 

As Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Bacias PCJ) possuem áreas de remanescente de Mata Atlântica com a mesma fisionomia da Serra do Mar, principalmente, nas encostas da Serra do Japi, em Jundiaí (SP).  Trata-se de uma área de interface entre a Mata Atlântica e as Florestas Estacionais Semidecíduas de Planalto, representada nas Bacias PCJ por fragmentos dispersos. 

Nas ações de reflorestamento de mata ciliares nessa região, o plantio de mudas respeita o caráter de ser espécies nativas dessa localidade e, portanto, também relacionadas às presentes em áreas de Mata Atlântica. A recuperação florestal às margens de rios e nascentes tem por objetivo preservar essas regiões estratégicas para a gestão da água e também ampliar a disponibilidade hídrica que essas iniciativas possibilitam.

O Programa de Proteção aos Mananciais do Consórcio PCJ, por exemplo, contribuiu com a recuperação florestal de uma área de mais de 2.700 hectares, com plantio de mais de 4,5 milhões de mudas nativas, em mais de 30 anos de atividades. Para se ter uma ideia, o número equivale à recuperação florestal de uma área 20 vezes maior que a do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, ou a 3.610 campos de futebol. 

As florestas e matas ciliares minimizam os efeitos de enchentes nas cidades; mantêm a quantidade e a qualidade da água nos cursos d’água; minimizam os problemas de assoreamento; filtram possíveis resíduos de produtos químicos como agrotóxicos e fertilizantes que poderiam chegar ao manancial, e auxiliam na proteção da fauna e flora local, contribuindo também com a qualidade da umidade do ar.

Dependendo do tipo de solo, uma área devidamente protegida com cobertura florestal permite a infiltração de 80% a 90% da água precipitada pela chuva, que ao penetrar no solo contribui com o crescimento vegetal, evaporação e umidade do ar, além de alimentar as nascentes e cursos que contribuem com a manutenção da vazão dos rios e mananciais, durante os períodos de estiagem.

O Consórcio PCJ também auxilia na preservação de matas nativas através de outros projetos de recuperação, como o combate à espécies invasoras, em especial a do tipo leucena, mais comum nas Bacias PCJ. Estudo encomendado pela entidade mostrou que a infestação de leucenas ocorre em áreas públicas dos municípios, especialmente, em áreas legalmente protegidas. 

Existem três formas possíveis de manejo e erradicação desta espécie invasora, que é a extração mecânica, controle químico e biológico, além de pontuar sobre a necessidade de se criar um arcabouço jurídico para a realização dessas ações.

O Consórcio PCJ também contribui com as ações de reflorestamento da região, doando mudas de espécies nativas para plantios ciliares nas Bacias PCJ e dando suporte à viveiros municipais de cidades associadas à entidade, com a doação de insumos, como sementes de árvores nativas, saquinhos plásticos, plântulas, tortas de filtro para formação de substrato, entre outras medidas. 

Para saber mais sobre o programa acesse o link: https://agua.org.br/protecao-aos-mananciais-3/

*Flávio Forti Stenico é engenheiro civil, com pós-graduação em Infraestrutura do Saneamento Básico e Planejamento e Regulação

Compartilhe essa matéria via:

Facebook
Twitter
LinkedIn

Newsletter

Assine a Newsletter do Consórcio PCJ e seja o primeiro a saber sobre projetos, ações de conservação e eventos importantes que acontecerão no ano. Além de notícias em primeira mão sobre todo o universo da água.

Outras matérias

22 de fevereiro de 2024

Por Mariane Leme • Assistente de Projetos do Consórcio PCJ  O saneamento básico é essencial para dispor de um ambiente favorável à saúde. Os tratamentos…

Pular para o conteúdo